quinta-feira, 29 de abril de 2010

Os 3 pedidos >> Kika Coutinho

Eu estava muito concentrada, de olhos fechados, quando a pessoa já foi dando o segundo nó. “Péra!”, eu gritei. Queria mentalizar com calma. Tinham me dito que aquela fitinha do Senhor do Bonfim era infalível e que, para cada nó, eu poderia ter um desejo. No primeiro, com o pulso esticado enquanto uma amiga amarrava para mim, do alto dos meus oito anos, eu mentalizava com força: “Casa da Moranguinho, Casa da Moranguinho, Casa da Moranguinho." Queria muito aquela casa... Quando permiti que ela desse o segundo nó, parti, ainda em silêncio, para o próximo pedido: “Banco Imobiliário, Banco Imobiliário, Banco Imobiliário”. Respirei, abri os olhos e disse “Está bem”, liberando-a para o último nó, quando eu voltei a cerrar os olhos pensando: “Coleção do pequeno pônei, pequeno pônei, pequeno pônei”.

Pronto. Eu olhei para o meu braço e admirei a fitinha do Senhor do Bonfim com os três nós que reluziam meus desejos mais ardentes, em breve esses sonhos se realizariam.

Ah, esses eram meu principais problemas. Além de, claro, tirar 6 na prova de matemática, não pegar recuperação, poder passar o sábado no térreo brincando ou a última figurinha daquele álbum.

Alguns anos se passaram e, prestes a me casar, eu tinha de cortar um bolo, quando alguém gritou: “Faz um pedido”. Fechei os olhos com força, e pedi que a minha cerimônia de casamento fosse lindíssima. Que as flores estivessem no lugar, que a comida estivesse quentinha, que o padre não faltasse, que a música estivesse animada. Lembrei-me daquela criança com a fitinha amarrada nos braços e achei-a uma pequena tola. Ela achava que tinha problemas, mas não imaginava o que era ter de organizar um casamento, contratar buffet, DJ, coral, decoração. Eu sentia-me cansada e estressada, isso sim era problema.

Hoje, quatro anos e um filho depois, também olho para aquela jovem noiva com desdém. Que boba eu era. Achava-me tão atribulada, sentia meus ombros pesados e cansados e, afinal, quais eram os meus problemas? Do que eu reclamava? Ah, se eu pudesse me ver hoje... Ah, se aquela noiva enxergasse a mulher na qual se transformaria apenas alguns anos depois... Enquanto passo madrugadas acordada cuidando do meu bebê, penso que era ridículo eu achar que tinha problemas. Eu era uma menina jovem, magra, livre. Saia para jantar, ia para a praia quando queria, cinema, teatro, roupas. Quais eram mesmos os meus problemas?

Agora, passeando com a minha filhota no parquinho, tenho que ficar atenta àquela tossinha dela, pensar se mamou bem, se vai dormir direitinho, e, ao mesmo tempo, lidar com a volta ao trabalho, com as contas, com a babá, com a empregada, a depilação, aff, uau, quantos problemas, eu suspiro fundo.

De repente, ainda no parquinho, uma senhora de bengala se aproxima de mim, olha para o carrinho e diz: “Que gracinha”. Eu agradeço quando ela, se apoiando na bengala, sorri, complementando: “Que vida boa, né?”. “Ah, é verdade... mama e dorme” respondi, concordando. “Não, não a dela. A sua...” A senhora falou, batendo de leve no meu ombro e soltando uma risadinha. Fiquei ali, parada, sem resposta. Assisti enquanto ela se afastava para longe, devagar, andando com dificuldade, certamente pensando no quanto foi tola quando era jovem, talvez com o seu bebê pequeno, sentindo-se uma mulher cansada e cheia de problemas...

7 comentários:

  1. Adorei teu comentário. Estou com 55 anos e também tive em várias fases o mesmo pensamento que tu e que, acredito todos tenham, o nosso momento é o pior, o nosso problema(?) é o maior e mais tarde descobrimos que não é assim. Nossa vida é feita de momentos e, com certeza, teremos "incertezas" que mais tarde parecerão insignificantes.

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  2. Minha querida! A coisa mais deliciosa do mundo é a fase que vc está passando c/seu bebê. Mas vc só vai saber disso quando essa fase passar. E infelizmente, depois que passar, evidentemente que ela não volta mais. O que vc tem agora, são "encheções de saco" diárias. Perdoe-me pelo palavreado meio chulo. Isso não é problema. Até porque se vc tem de trocar fraldas, é porque seu bebê é saudável e não tem nenhum problema de digestão, nem no intestino. Calma. Novas fases virão. E também novas "encheções de saco" diárias. Só peça a Deus para junto não virem problemas de verdade. Porque aí sim você vai saber o que é realmente a vida. Curta todo esse momento, querida. Ah se eu pudesse voltar no tempo... Talvez assim como você, não acharia que aquela fase com o meu bebê (hoje c/30 anos)era um problema. Mas agora já foi. Bjs.
    Eliana

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  3. Ana, talentosa e sábia!! Você não precisa de conselhos... eu acho que este texto mostra que você entende que os "problemas"* passam e outros tomam seu lugar.
    Adorei o texto como sempre, né?!!!

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  4. Nossa, que texto MARA! Encaixa-se na categoria "textos-que-eu-gostaria-de-ter-escrito". Cheguei a conclusão que não dá pra julgar a gravidade dos problemas em comparação a nada, nem aos seus problemas antigos nem aos problemas dos outros. Quando eu acho que o meu problema tá grande demais eu fantasio um problema horrível, me coloco - em pensamento - numa situação mil vezes pior e quando volto pra realidade respiro aliviada.
    Ano passado eu postei um texto que fala um pouco sobre este mesmo assunto. Leia ele aqui http://maesolteirarecemcasada.blogspot.com/2009/09/ah-como-eu-queria-ser-crianca.html você vai gostar. Beijocas!

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  5. O link não funciona... mas tá lá no meu blog, no mês de setembro do ano passado e se chama "Ah, como eu queria ser criança".

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  6. By the way, conseguiu a casa da moranguinho???

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