quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A louca

Uma louca que escreve aqui.

Dizem que, quando nasce um bebê, nasce uma mãe e, com ela, a culpa.

É verdade. A culpa é a amiga íntima de toda mãe. Mas eu vou além. Digo que, quando nasce um bebê, com a mãe nasce uma louca. Uma louca, tantã, pirada, biruta, uma maluca, enfim.

Ou quem poderia ser normal com um recém-nascido nos braços? “Shhh” é o grunhido da louca. Toda mãe de bebê já passou horas fazendo “shhh”. Fazemos “shhh” pro bebê dormir, fazemos “shhh” para o marido quando ele abre a porta, chegando do trabalho: “Shhhh, nem pense em falar no tom de voz normal!”. Sussurramos já em guerra. É uma guerra permanente essa maternidade recém-adquirida.

O volume de tudo tem que ser muito baixo. “Assista televisão no mudo. Se quiser”, bradam algumas – entre cochichos, claro. “Não, não, não, não dê descarga, não!”, imploram outras, correndo na ponta dos pés até o banheiro, o marido tentando ser higiênico. Mas não pode. Não pode dar descarga, não pode ligar a TV, o telefone tem que estar desligado e ai de quem deixar o celular no volume “ao ar livre” dentro dessa casa.

Loucas. Somos loucas.

O cuidado com o neném também reflete a insanidade: “Tem que pôr pra dormir desse lado. Isso, mas sem chacoalhar. Mas você tá pondo muito rápido, tem que bater nas costinhas dele. Não, não assim, tem que bater fazendo conchinha com as mãos, assim!”. Ai, ninguém sabe fazer nada direito, pensa a louca, sem notar – nem de longe – a própria esquisitice.

A louca tem dificuldade de aceitar intromissões. Se a babá sugere tal método, ainda vá. Se o marido sugere, ignoramos. Se a sogra sugere, pronto, acabou-se o mundo. A louca sabe que tem, ali, diante dela, outra louca, em plena ação.

Quando nasce um bebê, nasce uma louca. A louca chora em circunstâncias improváveis. Chega da maternidade, vê o bebê ali, na cadeirinha, e chora. Não se sabe se é de alegria, medo ou insanidade pura. Chora, simplesmente. A louca também ri fora de hora, enxerga coisas que ninguém mais enxerga e ouve vozes que ninguém ouve: “Juro que ela balbuciou mamã. Juro!”

A louca faz mandingas estranhas, passa planta nos seios, aperta o umbigo da criança de um jeito xyz, e assopra a moleira do bebê quando ele engasga. Será que é tipo uma respiração boca-a-boca através da moleira? Pergunto eu, louca, enquanto me mantenho ventilando a cabecinha da minha filha, que tosse sem parar.

E os pensamentos? A louca não pode mais ver filme, assistir documentários e – dependendo do grau de loucura – nem o jornal. Tudo aquilo pode lhe acontecer ou, pior, aos filhos. E se eu morrer? Pensa a mãe biruta por horas. E se eu morrer agora, que tô segurando o bebê na banheira? Ele vai cair e se afogar? Eu soube de uma que dava banho com pouquíssima água para a criança não se afogar, caso a mãe morresse no meio do procedimento. E se eu morrer dormindo, e se eu e meu marido morrermos de assalto quando formos comer uma pizza? Quem vai amamentar nessa madrugada? E de manhã, bem a mamada da manhã que ele gosta tanto, pensa a louca, ensandecida. "Mãe não pode morrer", me disse uma louca, dia desses. Verdade. Depois que temos filhos, não podemos mais gripar, cansar, dormir, adoecer, muito menos morrer.

Não. Nossos direitos são limitados, cerceados, bloqueados. Nos resta, então, ser loucas, piradas, birutas e tantãs, oras!

Fonte: Crônica do Dia

6 comentários:

  1. Muito, muito, muito bom! PERFECT!
    Menina, e esse livro? Quero pra mim. Como que faz???

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  2. Esquece... acabei de ver como compra! Assim que meu salário cair vou comprar.

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  3. Quando Alice tinha uns 6 dias de vida, na primeira vez que sai de casa, por 5 minutos, para ir na esquina comprar alguma coisa na farmácia, me peguei com medo de atravessar a rua porque eu poderia ser atropelada e não teria ninguém para amamentá-la. Parei (porque não era LOUCA de falar no celular andando, o risco era grande demais), peguei o celular no bolso e liguei para a minha mãe, que estava com a pequena. Quando ela atendeu, passei várias instruções para caso eu não voltasse a tempo para a próxima mamada, que seria em 2 horas e 15 minutos. Ela, estranhando, me perguntou: "HEIN? Mas você não ia só até a farmácia?" E eu, sem titubear, respondi: "Sim, mas sei lá, né, vai que me acontece alguma coisa!"
    Depois que desliguei, respirei aliviada, minha filha não corria mais o risco de morrer de fome na próxima mamada! Dei mais uns 20 passos, entrei na farmácia e pensei: "Meu Deus, mas e a mamada seguinte, o que acontecerá se eu não voltar?" Novamente parei, peguei meu celular... mas, logo antes de cometer a insanidade de ligar para casa de novo, me caiu a ficha: "TÁ MALUCA? Sua filha tem 6 dias, só 6 dias, e você já está nessa maluquice? Você tem muitos anos com ela pela frente, se continuar assim, surta de vez!" Respirei aliviada e, lógico, telefonei!

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  4. Kika, ainda bem que a gente sabe que existem graus variados de loucura...espero que a minha venha a ser bem leve, controlável! rsrsrs
    Bjs

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  5. E quem disse que já ñ temos essa parcela de loucura antes, mas como mães que são, no meu caso, que serei, nos achamos nos direitos de que essa loucura seja decretada como normalidade entre nós... kkkkkkkkkkkkkk

    bjks

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  6. ai que alívio saber que não sou só eu que peço pro meu marido dar a descarga só de manhã quando minha filha já está acordada, rsrsrsr. ótimo texto!

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