segunda-feira, 25 de julho de 2011

O TRAJETO

Dia desses, fui levar minha filha em uma aula de férias, uma espécie de recreação que ela está fazendo, aqui perto. Os vizinhos compartilham o mesmo horário e, por pura praticidade, combinei com uma amiga, mãe das crianças que moram ao lado, que ela iria levar e eu buscar.

Num instante, minha memória sacou de seu baú bagunçado uma lembrança antiga, tão despretensiosa e tola, que não sei como grudou suas raízes em minha mente com tamanha força.

Íamos para a escola levados pela minha mãe, que dirigia ao som da Jovem Pan: “Vambora, vambora, vambora, que tá na hora, na hora, na hora”. Além da música e do cheiro forte do estofado de carro antigo, minha memória adocicada guardou a imagem do banco de trás cheio de outras crianças, filhos dos vizinhos que dividiam a mesma escola que eu. As idades eram diferentes, não éramos grandes amigos, mas estávamos ali, unidos por um mesmo trajeto, e ficávamos calados ouvindo “o homem do tempo”.

Não preciso fechar os olhos para lembrar o rosto de cada um deles. O momento se fixou em mim, justamente por não ter nada de especial. Talvez por serem tão banais e recorrentes, as manhãs despretensiosas tenham alçado espaço na minha seleta rede de lembranças, em que cabem tão poucas figuras e sensações...

Agora a minha memória, essa danada, derrama momentos como esse tal qual uma chuva doce, pequenos frutos adocicados que caem sobre mim quando, enfim, passei para o banco da frente, a dirigir minha vida. Literalmente.

Quando combinamos que minha vizinha levaria minha filha e eu buscaria os filhos dela, uma espécie de tensão me invadiu. Quis precisar o horário, não me atrasar, e garantir que o rádio do carro estivesse funcionando de acordo. Obviamente, me atrasei, e, quando olhei o relógio, precisava ter saído e ainda estava em casa. Enquanto corria em direção à escola, as lembranças me invadiram de forma tão intensa que cheguei a olhar pelo retrovisor para procurar a minha infância doce, calada no banco de trás. Não encontrei.

Cheguei ao lugar, peguei as crianças e, apenas aí, notei que estava sem cadeirinha. Nenhuma cadeirinha para três crianças em idade de cadeirinha obrigatória. Meu Deus, que mãe desnaturada, pensei acomodando os pequenos (e as babás) como dava, no carro apertado.

Voltei com todo cuidado, mirando cada lombada, cada buraco, e monitorando que a música estivesse boa. Queria imprimir neles, naqueles pequenos seres que estavam calados durante o trajeto até suas casas, algum tipo de lembrança boa. O que será que guardariam? Daqui a muitos anos, talvez esse momento tolo, cotidiano e recorrente, adocicasse a memória de uma daquelas crianças.

Quando os deixei na porta do prédio, olhei pelo retrovisor e senti um misto de ansiedade e alegria pelos trajetos que a vida (essa sim, uma danada) nos propicia. Ali, naquelas pequenas criaturas, podia ver a mim, meus passos, minhas escolhas e todo o trajeto que, entre tortuosas estradas e belas paisagens, havia me trazido até aqui...

Fonte: Crônica do Dia

Um comentário:

  1. Obrigada, vc me fez lembrar da minha doce infância!
    Meu pai sempre escutava Elton John...marcou tb!
    Eu queria levar todos os meus amiguinhos no carro do meu pai, tadinho dele!
    Que paciência!!
    Beijocas

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