quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Querida Sofia,

Não que eu quisesse maltratar o seu pai, mas fiquei em silêncio, ao lado da porta, enquanto ele tocava a campainha insistentemente. “Amor?? Amoooor, abre a porta, o que é isso? Porque está trancada?! Que cartaz é esse aqui, de parabéns? Amooor, abre!” Do lado de dentro do nosso pequeno apartamento, eu olhava a sala, toda enfeitada para recebê-lo, e tentava segurar o riso, enxugar as lágrimas, enquanto me preparava para abrir a porta. “Parabéns por que? Não é meu aniversário!” ele falou, enquanto girava a maçaneta, em vão. Eu destranquei a fechadura e ele entrou, agitado. “O que é isso?!” disse, sem entender o que se passava. Mas, antes que eu pudesse responder, ele notou as chupetas, os sapatinhos e os outros papéis que, na parede, formavam um enorme “PAPAI” todo colorido.
Tinha sido o melhor que eu pude fazer. Passei a tarde toda com o coração disparado, em meio à papelarias e lojas de bebês, comprando um arsenal de coisas que depois seriam decoradas, pregadas nas paredes, espalhadas pelo chão, tudo com muito cuidado, no espaço infinito entre o momento da descoberta, no primeiro xixi da manhã, e a hora em que ele chegaria, no final do dia. Lembro de sentir uma certa câimbra no maxilar, um nervo que repuxava, de tanto que meu corpo ria, insistentemente, durante horas a fio.
Ele ficou um segundo parado, olhando tudo aquilo, ainda com a mochila do trabalho nas costas. Me olhou, e eu notei o susto em seus olhos. A emoção, o pavor e o amor estavam todas ali, eu sua expressão emocionada. Sem dizer nada, nenhuma palavra, ele me abraçou e chorou.
Hoje, filha querida, enquanto penso em que bolo fazer para comemorar os seus dois anos, lembrei-me desse dia, e não pude conter as minhas lágrimas. Quantas alegrias hein? Não é a toa que desistimos de tantas coisas depois que os filhos chegam. Eu já não preciso ser milionária, nem linda, nem louca. Ai, já não preciso de tantas roupas, tantos sapatos, tantos regimes. Não preciso mais ralar feito um cavalo para vencer na vida, porque já venci. Já tenho você, filha querida. Já tenho a sua irmã, olha que coisa. Já tenho duas meninas saudáveis, alegres, barulhentas. Já tenho um excesso de amor, uma razão para acordar, muitas para dormir, motivos de sobra para estar bem e feliz. Vocês. Um amor tão grande, que chega a doer. Sabe filha, quando o sol tá tão forte que chega a arder os olhos? É assim. Como aquela câimbra no maxilar, de tanto que eu ria. E já se passaram dois anos...
Hoje, o tempo passa tão depressa que mal consigo parar para escrever, e registrar aquilo que gostaria de manter sempre claro, aceso na memória. Faço força para nunca esquecer os pequenos detalhes, as coisas mínimas que preenchem com tanta alegria os meus dias. Os seus cachinhos enrolando no pescoço, as palavras erradas que custo a decifrar, as unhas sujas, sempre precisando cortar, o cheirinho doce de suor quando enterro o meu nariz no seu cabelo antes do banho e, logo em seguida, quando você aparece com o cabelos molhados e penteados, dividido de lado, o traço certinho que o seu pai faz enquanto você está sentada na pia, vestindo o seu pijama da Minnie.

Que eu não esqueça nunca, nenhum dia, nem velhinha com Alzheimer, essas memórias. Que ao menos essas meu Deus, ao menos essas, possam ser preservadas.

Um beijo biguzita querida, filhotinha amada.

Sua mãe.

Um comentário:

  1. Que declaração de amor linda!
    Beijoca,
    Roberta, mãe dos gêmeos Rute e Miguel

    ResponderExcluir