sexta-feira, 23 de março de 2012

Coisas que desisiti >> Kika Coutinho

Está decretado, desisti de fazer a unha toda semana. Com duas crianças pequenas, algumas vaidades tornam-se luxos impossíveis de serem mantidos. Adeus, unhas lindas. Se conseguir mantê-las quinzenalmente, estará de bom tamanho. Também desisti de ser diretora de empresa, sócia ou qualquer coisa assim. Desisti. Desisti de pular de pára-quedas. Também desisti de asa delta e similares.

Desisti de experimentar um porre. Não ia ser mal, mas desisti. Desisti de filas de baladas. Gente, eu fiz isso? Fiquei em filas gigantes, paguei caro, pra entrar em lugares escuros cheirando a cigarros? E ninguém me deu uma paulada na cabeça, pra me mostrar que eu tava louca? Bando de covardes, esses meus amigos. Viram cada coisa e não me tiraram do surto...

Desisti de shows lotados, de pousadas mixurucas e de mochila nas costas. Desculpe, soa um pouco arrogante, mas desisti de hotéis péssimos. Que eu fique no conforto da minha casa, mas banheiro compartilhado em camping, gente, não dá mais, passou, datou, chegou — pronto, falei.

Desisti de mini-saia, de esmalte azul, de batom roxo e de cabelo ruivo. Vai ficar pra outra vida, quem sabe. Nessa, não vai dar. Que me desculpem as modernetes, mas 30 e tantos, são 30 e tantos oras, eu tenho algum respeito por ter nascido ainda nos anos 70, né? Ok, bem no finalzinho, que fique registrado.

Para a outra vida também vou deixar coisas que nem mesmo desejei nesta: morrer virgem de drogas pesadas (das leves também, excetuando-se um ou outro traste que namorei na adolescência), e pular numa rave ou nesses shows em que vai todo mundo de branco, de preto, sei lá, coisa mais chata de se ver — espero que me liberem dessas também na próxima vida, se ela existir.

E desisti de salvar as crianças pobres da África. Não que elas não me importem mais. Aliás, importam mais do que nunca agora que tenho filhos, mas abri mão de uma mochila nas costas e uma cabana na Etiópia. Minha missão é outra, ainda que não abandone a generosidade, me satisfaço que ela venha em gotas, e em situações veladas. Não preciso mais provar nada pra ninguém.

Para quando eu nascer de novo também deixo a experiência de ser gay, emo, ou punk. Nessa, o plano é morrer como vivi: normal, normalzinha. Tão normal que pode até dar enjôo, eu sei. Mas não há de ser nada: Toma Plazil que passa.

Que liberdade fresca é essa que a vida só nos traz depois dos 30? Que delícia não se importar com a moda, não precisar apertar os pés em sandálias horrorosas, nem pensar mil vezes, antes de falar, só para ser agradável. Que delícia ser um pouco desagradável, só as vezes, sem nem perceber, sem querer agredir ninguém, até porque não é necessário agradar nem desagradar, só é necessário ser. Por que nunca ninguém me disse isso? Um bando de covarde esses meus amigos, vou te contar...


Fonte: Crônica do Dia: Kika Coutinho

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