De épocas

Ninguém liga muito para quando a gente fica contando quando casou, quando teve filho, como era o vestido, o dia e tal. Ninguém dá muita atenção pra esse papo, mas, isso, se você não inseri-los no contexto. Eu digo isso porque, quando conto de quando casei, todo mundo me dá atenção. E me dão atenção porque lembram da época que foi a época em que casei, mesmo os que não estavam lá.
Quando eu me casei, São Paulo estava sob ataques do PCC. Viu, você também lembrou.
E sempre que eu conto do meu casamento, dramatizo um pouco. Falo dos dias anteriores, da cidade vazia quando eu fui buscar o vestido de noiva, do pânico de todo mundo, da quantidade de gente que não apareceu com medo de não sair de casa.... Até dou uma aumentada e todo mundo reconhece o meu casamento no contexto do mundo enquanto me ouve, muito atentamente.
Pois, agora, sinto que a mesma coisa vai acontecer com a minha filha.
Daqui a muitos anos, quando a Sofia já estiver grande, contaremos que ela nasceu na época da gripe suína. Que eu tive que me afastar do trabalho, que houve um pânico geral, que usamos muito alcoogel e que todo mundo tinha medo e grávida tinha pavor. Mas eu era grávida. E nada me aconteceu.
Sofia, filha querida, você vai poder contar isso pra todo mundo, e se seus amiguinhos não souberem, as mães deles vão se impressionar muito e lembrar direitinho do ano que vocês nasceu.... Você já está dentro do contexto do mundo, filha. Sua história já é diferente, e você nem sabe, aí no quentinho da barriga da mamãe, onde gripe nenhuma chegou, você não sabe....